As mulheres carregam sua própria cota de questões existenciais. Desde que o movimento feminista começou, tentamos responder de onde viemos, para onde vamos e o que estamos fazendo aqui. Nos últimos meses, aqui nos Estados Unidos, duas executivas que chegaram ao topo de suas carreiras fizeram declarações reveladoras sobre família e trabalho, causando polêmica sobre a forma como as mulheres profissionais são encaradas na sociedade.
Uma delas é a professora de Princenton Anne-Marie Slaughter. No ano passado ela abandonou o emprego dos seus sonhos, como diretora de políticas de planejamento do Departamento de Estado dos Estados Unidos, em Washington, para passar mais tempo com seus dois filhos adolescentes, em Nova Jersey. Anne-Marie escreveu um artigo para a revista The Atlantic dizendo que o que ela aprendeu com o feminismo estava errado: as mulheres não podem ter tudo, e existe uma hora em que devem escolher entre chegar ao topo de suas carreiras ou dar a devida atenção aos filhos. A outra é a COO do Facebook, Sheryl Sandberg, que declarou em uma entrevista que sai do trabalho todos os dias às cinco e meia para jantar às seis com seus dois filhos de 6 e 8 anos.
No ano e meio em que esteve no governo, Anne-Marie trabalhava quatorze horas por dia. Ela passava a semana em Washington e ia para casa nos fins de semana. Era o marido, também professor universitário, que cuidava dos filhos de 12 e 14 anos enquanto ela não estava por perto. Quando o mais velho começou a ter problemas comuns a qualquer adolescente – notas baixas na escola, mau comportamento em sala de aula e dificuldade de comunicação com os pais –, ela deixou seu cargo, voltou para casa e para a carreira de professora universitária em Princenton. Anne-Marie afirmou que a maioria das mulheres jamais conseguirá chegar ao topo de suas carreiras e manter uma boa vida familiar. As únicas que conseguem conciliar as duas coisas, segundo ela, são:
1- Extremamente ricas, e que por isso têm ajuda para criar os filhos
2- Supermulheres, que nunca dormem
3- Profissionais liberais, que fazem seus próprios horários
O artigo de Anne-Marie foi o mais lido da história da revista The Atlantic – em circulação há mais de 150 anos. Gerou 200 mil likes no Facebook, centenas de milhares de tweets. Ela recebeu o convite para escrever um livro baseado no assunto e foi entrevistada pelos principais jornais e programas de TV dos Estados Unidos.
Não há novidade no que ela fala. Toda mulher com filhos sabe que, depois do parto, sua vida será para sempre dividida. E a culpa por não trabalhar mais, ou por não passar mais tempo com os filhos, será constante.
O que é novo é o fato de uma mulher extremamente bem sucedida – e que serve de exemplo para as mulheres mais novas – assumir que não pode ter tudo. O que é novo é o fato de uma alta funcionária do Governo afirmar que deixou o emprego dos seus sonhos porque queria acordar de manhã e fazer waffles para os filhos – e dizer isso claramente em uma revista de circulação nacional.
De acordo com Anne-Marie, só será possível conciliar trabalho e vida familiar quando houver uma mudança na forma como as mulheres são tratadas no mercado de trabalho. Sair cedo por conta de algum compromisso com os filhos ou estar em casa a tempo de jantar com a família devem ser ações perfeitamente aceitáveis pelas empresas, o que ainda não acontece. Existe a ilusão de que ficar além da hora significa trabalhar melhor, mesmo que as horas extras trabalhadas sejam pouco produtivas.
É por isso que a declaração da COO do Facebook é tão importante. Quando uma das mulheres mais poderosas do mundo informa que seu tempo com a família é imprenscindível, ela está dando o exemplo para outras executivas e contribuindo para que o mercado de trabalho se torne mais gentil com as mulheres.
É também interessante notar que o artigo de Anne-Marie contradiz as declarações de Sheryl Sandberg. Anne-Marie diz que as mulheres não conseguem manter uma boa vida familiar e chegar ao topo, mas Sheryl chegou a COO do Facebook e janta com a família todos os dias. Vale lembrar que Sheryl se enquadra na categoria 2 das exceções de Anne-Marie – ela é uma supermulher. Tem diploma de Harvard e, antes de ser COO do Facebook, foi vice presidente do Google e alta funcionária do gabinete do governo Clinton.
Para o resto de nós, mortais, resta os rebolados de conciliar carreira e filhos. E torcer para que outras executivas e executivos pelo mundo sigam o exemplo da COO do Facebook.
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