Sou cega, mas vivo uma vida plena e útil

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Muitos infelizmente imaginam os cegos como sendo irreparavelmente incapacitados. Mas, sabia que há cegos que são advogados, juízes, médicos e professores? A cegueira é um obstáculo, mas não impede que muitos vivam vidas plenas e úteis.
Sou totalmente cega. Todavia, sou dona de casa, cuido de meu marido, e já criei dois filhos.
Não sou cega de nascença. Mas, tinha pigmento na retina que vagarosa e progressivamente se espalhou para acabar com minha visão. Por não poder ver suficientemente bem para fazer meus deveres escolares, os professores de início pensavam que eu era retardada. Com o tempo, contudo, reconheceram minha dificuldade e fui matriculada em turmas de conservação da vista. Morávamos então em Brooklyn, Nova Iorque, tendo nos mudado de Porto Rico para lá.
Nos meus anos de ginásio, cursei o Instituto Para Cegos de Nova Iorque. Ainda conseguia ver formas e silhuetas, e tinha boa percepção da luz. Participava em muitas atividades escolares, e lia Braille por horas a fio. Eram anos felizes. Não pensava em minha pouca visão como empecilho, mas, antes, considerava isso como circunstância acidental da vida.

Criar Filhos
Com vinte anos, casei-me com um oficial de comunicações que conheci quando estudava para tornar-me telefonista em Porto Rico. Quando meus dois filhos eram bebês, ainda dispunha de alguma percepção de formas e luzes, e, com meu sentido especialmente desenvolvido de tato, não me foi difícil cuidar deles. Banhava-os e vestia-os com facilidade, e lhes preparava refeições nutritivas. No entanto, como a maioria das crianças, não gostavam de tudo. Lembro-me de meu marido voltar para casa de noite e descobrir que, sem eu saber, tinham atirado certa comida pela janela.
No entanto, ao invés de ser um empecilho, acho que minha cegueira realmente beneficiou as crianças. Sentiam-se movidos a mostrar mais amor e consideração a mim e aos outros. Sua observação se tornou mais aguçada, ao usarem sua visão em meu favor. Diziam-me a cor exata de cada parte do céu, pequenos pormenores de como as pessoas estavam vestidas, e muitas outras coisas que a maioria das pessoa despercebem.
Desde tenra idade, ensinei a meus filhos os bons hábitos e a organização pessoal. Eu me empenhei nisto, porque sua cooperação era essencial para que eu pudesse cuidar devidamente da casa. Por exemplo, quando tiravam suas roupas, colocavam-nas sempre no mesmo lugar, de modo que pudesse apanhá-las no dia de lavar roupas. E, depois da refeição, ensinei-lhes a deixar seus utensílios na mesa em certa posição para que eu pudesse apanhá-los e levá-los à cozinha.
Ensinar minha filha como cozinhar foi um desafio especial. Foi mui desanimador às vezes, porque ela nem sempre colocava as coisas no mesmo lugar para que eu as pudesse achar. No entanto, com o tempo e paciência, ela por fim aprendeu a fazer as coisas como um cego faria. Assim, não só aprendeu a cozinhar, mas também desenvolveu excelente organização pessoal.
Tentei criar meus filhos de modo que jamais ficassem inibidos por eu ser cega, e acho que não ficaram. Para divertir-se comigo, o jovem Tommy às vezes fazia brincadeiras. Quando tinha uns sete ou oito anos, era ótimo em imitar vozes. To cava a campainha e imitava as vozes das pessoas mais velhas. De vez em quando, eu até chegava a trocar de roupa de andar em casa, me maquilava, escovava o cabelo, e ficava pronta para receber os que eu pensava serem convidados. Certa vez, quando um rapaz veio trazer um recado real, eu pensei que ele era o brincalhão Tommy, e foi preciso que ele falasse muito para me convencer que não era meu filho.

Fazer Minhas Compras
As pessoas amiúde perguntam como consigo andar por minha casa de modo a cuidar dos muitos deveres necessários em relação com  minha pessoa e minha casa. Ao fazer compras, primeiro precisava de ajuda  para chegar às lojas, mas, quando meu cão-guia se acostuma à área, não tenho problemas. Ao entrar numa loja ou ao passar por sua porta, usualmente sei que tipo de negócio se trata, por causa do cheiro e do ambiente geral. Cada tipo de negócio tem seu próprio cheiro e seus ruídos peculiares. Assim, não tenho dificuldades em identificar uma farmácia, uma loja de departamentos e assim por diante.
Gosto de me vestir bem, e, assim, sou cuidadosa em comprar roupas. Quando chego ao departamento que procuro, digo à vendedora o tamanho, a cor e o padrão da roupa em que estou interessada. Na minha mente, posso “ver” exatamente o que desejo e, assim, faço o melhor possível de explicá-lo. Daí, quando a experimento, peço a pessoas por perto que digam como fico nelas. Naturalmente, posso sentir se me caem bem, e, assim, posso por fim fazer minha escolha.
Acho difícil comprar alimentos porque se tem de ler os rótulos. Quando vou ao supermercado, peço aos empregados que me ajudem. Tenho em mente exatamente o que desejo, porque os empregados não podem ficar o dia todo procurando na loja o que eu quero. Na maioria das vezes, levo uma companheira quando vou comprar alimentos.
Ao voltar para casa com as compras, tenho um lugar específico para cada item. Se não tivesse, não conseguiria encontrá-los mais tarde. Assim, pode ver porque prefiro eu mesma guardar tudo no lugar. Para identificar os itens, aprendo suas formas, e, no caso de latas, eu as marco. Assim, ao procurar algo, sei imediatamente onde está e que jeito tem.

Cozinhar e Limpar
Gosto de cozinhar, e aprecio preparar uma variedade de pratos. Isto não é difícil. Conheço os vários ingredientes pela prateleira em que estão e pelas formas diferentes e tamanhos de caixas e latas em que estão. Também, meu sentido do tato, do olfato e do paladar me ajudam a evitar qualquer confusão. Realmente, prefiro eu mesma cozinhar, porque, se outros me ajudarem, não sei onde colocam as coisas, e, mais tarde, terei dificuldade em encontrá-las.
Uma grande ajuda é o equipamento especial de cozinha que foi feito para os cegos. Há saliências no controle de temperatura de minha assadeira e saliências no relógio de Braille ou alarme. Assim, posso determinar pelo tato onde assentar o controle da temperatura e do tempo. Tenho também um rolo de massa usado por uma só mão, permitindo-me sentir a massa com a outra. E, tenho um livro de cozinha em Braille, Cooking Without Looking (Cozinhar sem Olhar).
O esforço extra necessário para manter limpa minha casa sempre me pareceu digno. Às vezes meus vizinhos até mesmo trazem visitantes para mostrar-lhes o exemplo de uma casa bem cuidada. Pelo tato, posso dizer quando o chão ou um móvel precisa ser limpo. Certa vez, por curto tempo, tive uma empregada que pensou que poderia aproveitar-se de mim; assim, varria a sujeira para debaixo das camas. Mais tarde, eu verifiquei isso com meus pés descalços, e ela ficou sem jeito quando meus pés ficaram tão sujos que precisaram ser escovados.
É realmente essencial que minha casa seja asseada, tudo sendo mantido em seu lugar. Assim, tenho um quadro mental de cada quarto, de modo que posso andar pela casa toda sem me chocar com nada.
Treinar os Sentidos
Alguns crêem que os outros sentidos dos cegos são naturalmente superiores. No entanto, estudos mostram que isto não acontece. Os cegos não nascem com audição, tato, olfato ou paladar especialmente aguçados, mas, ao invés, treinam estes sentidos para poderem aumentar sua eficiência. Deixe-me dar-lhe um exemplo.
Sente-se e ouça um pouco de música. Feche os olhos, de modo que possa apreciar melhor os sons. Então, o que faz? Está fechando a mente a certas coisas que poderiam distraí-lo, e, por concentrar-se, treina sua audição. Dá-se o mesmo com os cegos. Não temos as distrações que os videntes têm, e, assim, podemos concentrar-nos melhor em desenvolver outros sentidos, tais como nossa audição.
É notável a quantidade de informações que podem ser adquiridas pelos outros sentidos que não a visão. Utilizo todos os meus sentidos — olfato, audição, tato e paladar — de modo que posso “ver”, por assim dizer, onde estou ou o que faço. Desta forma, consigo um quadro bem completo de meu ambiente, sabendo exatamente o que se passa ao redor de mim.
O sentido da audição é especialmente importante. Há, naturalmente sons emitidos pelos objetos — um carro que buzina, um ventilador que gira, ou uma pessoa que fala. Os cegos se tornam peritos em analisar tais sons. Por exemplo, posso dizer pela direção da voz da pessoa se é alta ou baixa, e, assim, olhar para cima ou para baixo, para o rosto da pessoa, conforme o caso.
Também, os sons refletidos podem ser de tremenda ajuda. O ambiente emite todos os tipos de sons — passos na calçada, vozes de pessoas, sons do tráfego e assim por diante — e tais sons são refletidos constantemente pelas paredes, móveis, assoalhos e outras coisas. Os cegos desenvolvem a consciência destes sons refletidos, e com freqüência podem aprender muito deles. Por exemplo, posso descer pela rua ou andar num edifício e saber, pelo som refletido, se estou perto de uma parede, duma porta ou de outro objeto.
Meu tato também me conta muita coisa. Sei das coisas, não só por tocar nelas com as mãos, mas pelo jeito em que eles me tocam. Uma brisa suave, não importa quão leve, talvez indique que há uma janela ou porta aberta, ou, se estou na rua, uma abertura entre dois prédios. A sensação de calor ou de frio é importante, como no caso em que ando pela cozinha, com o fogão ligado. Também, posso dizer se um veículo já está parado por muito ou por pouco tempo, pelo calor emitido. A pessoa mediana fica usualmente surpresa com o quadro completo que obtenho de meu ambiente pela percepção através dos sentidos que não a visão.

Falar com os Invidentes
Pode ser de ajuda por tratar os invidentes de forma similar a como trata os videntes. Por favor, não se aproxime de nós dizendo: “Adivinhe quem é.” Isto só destaca nossa condição. Quando apresentar alguém a um invidente, ao invés de apenas dizer: “Quero que conheça o Sr. Fulano de Tal”, é de mais ajuda se disser: “À sua direita se acha o Sr. Fulano de Tal, a quem eu gostaria de lhe apresentar.”
Também, não é realmente bondoso dizer: “Lá vai aquele pobre cego.” Não me considero “pobre”. Só porque temos uma dificuldade não significa que não possamos viver vidas plenas e úteis. Apreciaremos muito se, quando falar conosco, falar da mesma maneira que o faz com outros. Desta forma, sentimo-nos parte do grupo, e não como uma espécie rara.

Uma Vida Plena e Útil
Realmente, posso fazer a maioria das coisas que os videntes fazem. Não só posso ler, mas também escrever em Braille, usando meu pequeno estilete e pequena peça metálica cheia de furos. Visto que tais instrumentos são pequenos, posso transporta-los comigo, e tomar notas sempre que preciso. Também, nunca tenho de olhar para o relógio; sei que horas são por apenas tocar no meu relógio.
No entanto, o que torna minha vida especialmente plena e significativa é conhecer nosso Criador, Deus, e servi-lo.
Agora, quando falo com as pessoas sobre os propósitos de Deus, este têm para mim um significado adicional. Sou tão grata a Deus por sua promessa da ressurreição, e de que virá o dia em que poderei sentir minha filha, ouvi-la, e, sim, vê-la. Sinto que a minha vida é deveras uma vida plena e útil, partilhando com tantas pessoas quantas possível a grandiosa esperança que nosso amoroso Criador oferece à humanidade.

Conforme narrado a uma revista cristã

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