O planeta maculado

sexta-feira, 25 de março de 2011



Pense na terra,  o  nosso  lar.  Deixe  que  os  seus  olhos absorvam as nuanças brilhantes e os sombreados mui delicados do pôr-do-sol ou do arco-íris. Enterre os dedos dos pés  na areia e sinta a espuma ondulada e os  borrifos  da  onda  do mar. Visite um museu e estude a arte abstrata de  borboletas — 10000 variedades, muito mais admiráveis  que  os  desenhos dos  modernos  pintores  abstratos;  tudo   condensado    em delicadas  amostras  de  material  volante.  Rodeado  dessas coisas maravilhosas, é fácil  acreditar  num  Deus  amoroso.
Entretanto, o mesmo sol que esbanja as cores  no  firmamento pode também transformar o solo africano  em  uma  superfície seca e lustrosa,  cheia  de  pequenas  rachaduras,  trazendo desastre a milhões de pessoas. O constante ritmo  retalhante da arrebentação pode, quando estimulado por uma  tempestade, transformar-se num paredão  da  morte,  de  seis  metros  de altura,  destruindo  cidades  e  vilas.  E  as   inofensivas amostras coloridas que passam a vida esvoaçando por entre as flores são agarradas e destruídas pela ferocidade  constante dos ciclos vitais da natureza. Embora seja o mundo a vitrina de Deus, também é uma fortaleza rebelde. Pode ser uma  coisa maravilhosa, mas pode igualmente ser coisa muito má.
Pense no homem. O mesmo país que produziu  Bach,  Beethoven, Goethe e Brahms trouxe ao mundo Hitler,  Eichmann  e Goering. O país que engendrou  a  Constituição  dos  Estados Unidos produziu a escravidão e a Guerra Civil. Há  em  todos nós  traços  de  inteligência,  criatividade  e    compaixão entrelaçados com traços de fraude, egoísmo e crueldade.
O mesmo acontece com o sofrimento.
Depois de um minucioso exame, o sofrimento pode  parecer  um amigo de  confiança  e  digno.  O  sistema  nervoso,  quando marcado pelo gênio, pode ser apreciado na pintura  primorosa de um Rafael. Do ponto de vista restrito de um biotécnico, a estrutura da dor certamente parece ser uma das maiores obras de Deus.
Entretanto, a dor chama a nossa atenção, não por  intermédio do  microscópio,  mas  mediante  espasmos  de  tormento.  Se relacionarmos  cada  sinal  de  advertência  à  sua    causa específica, a  estrutura  da  dor  parecerá  boa  e  em  bom funcionamento. Mas se, em âmbito maior, virmos a  humanidade contorcendo-se de  dor,  morrendo  de  inanição,  sangrando; bilhões morrendo de  câncer  aos  poucos.  .  .  eis  aí  um problema. Os filósofos preferem o ponto de vista mais amplo, de maior perspectiva que discute “a soma total do sofrimento humano”, como se toda a dor humana pudesse  ser  extraída  e colocada num grande frasco a fim de ser apresentada a  Deus:
— Aqui está toda a dor e todo o sofrimento do planeta Terra.
Qual a razão de tanta miséria? — É um dilema.  A  dor  podia ser um sistema de alarme suave  e  eficiente,  mas  há  algo neste planeta em  sublevação  total.  O  sofrimento  está-se alastrando e não pode ser controlado.
Neste livro ainda  serão  apresentadas  pessoas  com  medula dorsal fragmentada e judeus sobreviventes do holocausto. São essas as pessoas com que precisamos nos defrontar. – Nenhuma racionalização  piegas  pode  resolver    suas indagações cortantes. São essas as pessoas que levantam  a  questão:
— Onde está Deus quando chega a dor? Se a nossa  fé  não  lhes souber  responder,  nada  mais  podemos  dizer  a  um  mundo alquebrado.
O problema da dor é muito mais profundo  do  que  o  simples reflexo das células nervosas.  Já  vimos  exemplos  de  “dor útil”, isto é, da dor avisando  e  protegendo.  Mas,  o  que dizer dos  efeitos  colaterais  da  dor?  O  que  dizer  das implicações  psicológicas  quando  a  dor  corrói  a   alma, estimulando  amargura  e  desespero?  Por  que  há   pessoas amaldiçoadas com artrite, câncer, ou defeitos  de  nascença, enquanto outras há outras saudáveis? Por que existem  tantas causas de intensa “dor  não-útil”  disseminadas  por  toda parte?
Apesar  de  algumas  pessoas  não  passarem   por    intenso sofrimento físico na vida, todas as pessoas que conheço  têm alguma dor da qual não se  livram.  Pode  ser  personalidade torcida,  um  relacionamento  rompido  ou   um    sentimento consumidor  de  culpa.  .  .  De  qualquer  maneira,  a  dor reaparece sempre corroendo a satisfação.
Para  bem  visualizá-lo  é  preciso  que  nos  afastemos  do microscópio onde observamos  as  células  nervosas  reagindo linda e obedientemente ao  estímulo.  Olhemos,  depois,  com todo o nosso interesse para o rosto  dos  angustiados  seres humanos. A pergunta “Onde está Deus  quando  chega  a  dor?” torna-se “Onde está Deus quando a dor não cessa?” Como  pode Deus permitir dor tão intensa e injusta?

Extraído do livro "Deus sabe que sofremos", de Philip Yancey

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