Comentário do Evangelho de hoje por William Barclay

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A TREMENDA AFIRMAÇÃO
João 8:56-59

Todos os raios esclarecedores que vimos antes empalidecem e adquirem significado à luz deslumbrante desta passagem. Quando Jesus disse que Abraão alegrou-se por ver o seu dia, empregava uma linguagem que o judeu podia compreender. Os judeus tinham uma quantidade de crenças a respeito de Abraão que lhes permitiria perceber o que implicava Jesus. Eram cinco as maneiras pelas quais os judeus podiam interpretar esta passagem.

(a) Abraão vivia no Paraíso e podia ver o que acontecia na Terra.
Jesus usou essa idéia na parábola do rico e Lázaro (Lucas 16:22-31).
Essa é a forma mais simples de interpretar estas palavras.
(b) Entretanto, não é a interpretação correta. Jesus disse que Abraão
se alegrou por ver o seu dia. Usa o tempo passado. Agora, os judeus
interpretavam muitas passagens das Escrituras de uma maneira que
explica isto. Tomavam a grande promessa feita a Abraão em Gênesis
12:3: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra”, e diziam que
quando se fez essa promessa, Abraão soube que queria dizer que o
Messias de Deus nasceria em sua família e se alegrou diante da
magnificência da promessa.
(c) Alguns rabinos sustentavam que na visão que se relata em
Gênesis 15:8-21, fez-se ver a Abraão todo o futuro do povo de Israel.
Portanto, teve uma visão antecipada da época quando viria o Messias.
(d) Alguns rabinos consideravam que Gênesis 17:17. que conta
como riu Abraão quando ouviu que teria um filho, não significa que riu
porque não cria o que ouvia mas sim pela alegria que lhe produziu saber
que dele nasceria o Messias.
(e) Certos rabinos faziam uma interpretação um tanto fantástica de
Gênesis 24:1. A versão Cipriano da Valera (1960) diz que Abraão era
"velho" e acrescenta "avançado em anos", que é o significado literal da
palavra hebraica. Alguns rabinos sustentavam que o sentido dessas
palavras era que em uma visão que Deus lhe tinha dado. Abraão tinha
entrado nos dias que jaziam adiante e que tinha visto toda a história do
povo e a vinda do Messias.

Com todos estes dados vemos com toda clareza que os judeus criam que, de algum modo, enquanto ainda estava vivo, Abraão tinha tido uma visão da história de Israel e da vinda do Messias. De maneira que quando Jesus disse que Abraão vira o seu dia. estava afirmando com deliberação que ele era o Messias. O que dizia era o seguinte: "Vocês crêem que Deus deu uma visão a Abraão na qual viu a vinda do Messias. Era este dia, era a mim, a quem viu Abraão".
Imediatamente depois dessa afirmação, Jesus se refere a Abraão dizendo: “Viu-o (meu dia) e regozijou-se.” Alguns dos primeiros cristãos faziam uma interpretação muito fantástica destas palavras. Em 1 Pedro 4:18-22 e 5:6 encontramos as duas passagens que conformam a base da
doutrina que se denomina a Descida aos infernos. Essa doutrina se incorporou ao Credo na frase, "Desceu aos infernos." Devemos assinalar que a palavra inferno dá uma idéia errônea, deveria falar-se do Hades. A idéia não é que Jesus foi ao lugar dos torturados e dos condenados tal como sugere a palavra inferno. Hades era a região das trevas onde foram todos os mortos, tanto os bons como os maus.
O Hades era a região escura na qual o povo cria antes de que recebessem a crença total na imortalidade. A obra apócrifa chamada o Evangelho de Nicodemos e os Atos de Pilatos tem uma passagem onde se afirma que Abraão se alegrou ao ver a luz de Cristo no dia que Jesus
baixou à região dos mortos. A passagem diz assim: “Ó Senhor Jesus Cristo, ressurreição e vida do mundo, dê-nos a graça de que possamos relatar sua ressurreição e suas obras maravilhosas, as
que fez no Hades. Nós estávamos no Hades junto com todos aqueles que caíram dormidos desde o começo. E na hora da meia-noite surgiu nesses escuros lugares uma luz semelhante a do Sol e brilhou e todos fomos iluminados e nos vimos uns aos outros. E imediatamente nosso pai Abraão, junto com os patriarcas e os profetas, encheram-se de alegria e diziam uns aos outros: ‘Esta luz provém da grande iluminação’.”
Assim é como esta estranha história relata de que forma os mortos viram Jesus e receberam a oportunidade de crer e arrepender-se. E ao ver isso, Abraão alegrou-se. Estas idéias nos resultam estranhas. Entretanto, para o judeu eram algo muito normal porque cria que Abraão já tinha visto o dia quando chegaria o Messias.
Mas apesar de que sabiam todo isso, os judeus preferiram tomar estas palavras ao pé da letra. Perguntaram, "Como você pode ter visto Abraão se você ainda não cumpriu cinqüenta anos?" Por que cinquenta anos? Essa era a idade em que os levitas se retiravam de seu serviço
(Números 4:3). O que os judeus dizem a Jesus é o seguinte: "Você é um homem jovem, na plenitude da vida, nem sequer tem idade suficiente para se retirar do serviço. Como é possível que você tenha visto Abraão? Você está louco." Foi nesse momento que Jesus pronunciou a afirmação
esmagadora. “Antes que Abraão existisse, EU SOU.”

Devemos ter muito cuidado e assinalar que Jesus não disse: "Antes que Abraão fosse, eu era", mas sim "Antes que Abraão existisse, eu sou." Aqui se afirma que Jesus é atemporal. Não houve um momento
quando chegou a ser; não haverá jamais um tempo no qual não seja. Não podemos dizer que Jesus foi. Devemos dizer sempre, é. O que quis dizer? É evidente que não quis dizer que Ele, a figura humana chamada Jesus, existiu sempre. Sabemos que Jesus nasceu neste mundo em Belém. Aqui se busca algo mais que isso.

Pensemo-lo deste modo. Há uma só pessoa no universo que está fora do tempo. Há uma só pessoa que está acima e mais à frente do tempo e que sempre pode dizer, Eu sou. E essa única pessoa é Deus. O
que Jesus diz aqui não é nada menos que a vida que está nele é a vida de Deus; que nele a eternidade atemporal de Deus irrompeu no tempo do homem. Diz, como o expressou com toda simplicidade o autor de Hebreus, que é o mesmo ontem, hoje e sempre. Em Jesus não vemos só um homem que veio, viveu e morreu. Vemos o Deus atemporal, que foi o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, que era antes do tempo e que será depois do tempo, que sempre é. Em Jesus, o Deus eterno se
manifestou aos homens.

Fonte: Comentário bíblico de William Barclay

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