A Teologia da Libertação e a Teologia da Prosperidade são gêmeos fraternos!

sábado, 4 de fevereiro de 2012


Por Gutierres Fernandes Siqueira

[OBS: Recomendo a impressão deste texto, pois o tamanho é cansativo para leitura em tela]

Os gêmeos fraternos são aqueles formados a partir de óvulos e espermatozoides diferentes, mas que se desenvolvem no mesmo período. Esses gêmeos, normalmente, possuem sexo e tipo sanguíneo divergente. Como a Teologia da Libertação e a Teologia da Prosperidade podem ser gêmeos fraternos como sugerido no título? Ora, ambas seguem tendências diferenciadas (comunismo versus consumismo), mas o tronco e a origem são comuns. Ambas são filhas da modernidade.

Talvez a doutrina que mais aproxime as duas teologias é a própria antropologia. A forma como as teologias da libertação e os evangelistas da prosperidade veem o homem mostra o foco antropocêntrico dos modernos. A autoajuda popular dos megatemplos e o “bom selvagem” dos tratados teológicos “progressistas” são tão próximos quanto os adeptos gostariam de admitir.

A graça divina e a maldade humana

Nesse mundo-cão o cristão é exortado a ser generoso para com os mais necessitados. Como fazê-lo? Somente pela graça generosa de Deus. É assim que a história da teologia cristã, baseada nas Escrituras, ensina. Aliás, tudo na vida é graça de Deus. Quão enganados somos quando pensamos que os nossos méritos são capazes de expressar verdadeira generosidade. Há uma síndrome contemporânea onde todos acreditam que são bons, tolerantes, generosos, sem-preconceitos etc. Assim como descreveu C. S. Lewis:


Todos se sentem benevolentes quando nada os está aborrecendo. Dessa forma, o ser humano facilmente vem a se consolar de todos os seus outros vícios com a convicção de que “seu coração está no lugar certo” e de que “ele não faria mal a uma mosca”, embora nunca tenha feito o menor sacrifício pelo próximo. Julgamo-nos benevolentes quando estamos apenas contentes. Não é tão fácil, com os mesmo parâmetros, imaginarmo-nos comedidos, castos e humildes.

O maior símbolo desse autoengano moderno é o filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau, o pai dos autointitulados “progressistas” e politicamente-corretos do século XXI. O francês abandonou os seus cinco filhos que teve com a serviçal ThérèseleVasseu na “roda dos enjeitados”, uma pequena porta de madeira que existia na Igreja Católica para receber crianças rejeitadas. O homem que acreditava no “bom selvagem” jogou para a igreja a responsabilidade e o amor que lhe cabia como pai. O próprio autor é uma antítese de sua tese.

Não quero dizer com isso que o homem seja mal sobre mal. Além da maldade, há beleza e bondade no ser humano, independente se essa pessoa professa a fé cristã ou não, mas por mais bela que essa bondade seja ela é insuficiente para a salvação. E, como dito acima, a bondade e generosidade do homem é fruto da graça. Como escreveu Matthew Henry: “A graça de Deus deve ser reconhecida como a raiz e a fonte de tudo que é bom em nós, em todos os momentos. Quando somos úteis para os outros e realizarmos alguma boa obra, devemos nos conscientizar de que isso foi em decorrência da graça e do favor de Deus” [2].

As virtudes não estão ligadas à religião. Ser religioso não significa ser virtuoso, mas a virtude é graça divina, seja a graça comum ou a graça como dom. A graça de Deus, o presente divino, nos faz generosos contra a nossa própria natureza corrompida. A graça se recebe. A graça é uma ação divina doada na regeneração, mas possui resultados continuados. A graça uma vez recebida muda a relação com o mundo de maneira continuada.

Essa ideia, obviamente, bate contra toda a crença moderna (e/ou pós-moderna) na “capacidade da natureza humana”. É um incômodo ouvir que somos pecadores e que dependemos de Deus e de sua graça (graça comum) para sermos um pouco mais humanos e generosos.

Uma das doutrinas mais combatidas pelos modernos da autoajuda ou da academia é a idéia do pecado e da responsabilidade pessoal.

A fantasia do antropocentrismo

O filho bastardo do humanismo do Iluminismo é a fantasia da autoajuda contemporânea. No “acredite em seu potencial” e “você é um vencedor” nada mais é do que uma versão popular do antropocentrismo das Luzes. Em sua antropologia positiva, ou seja, quando os filhos de Rousseau acreditam na bondade nata do ser humano, eles expressam a mesma convicção infantil e desconectada da vida real. O homem das Luzes e da autoajuda não precisa se preocupar com pecado, insuficiência ou mesmo com a dependência de Deus. Esse homem só precisa acreditar em sua bondade e no seu potencial. Esse é o momento que as Teologias da Libertação (comunista) e a Teologia da Prosperidade (consumista) casam em um estranho matrimônio. A Teologia da Libertação é autoajuda disfarçada.

Talvez você não ligasse as duas teologias no mesmo tronco, mas podemos ver que ambas são filhas da modernidade. Ambas olham o homem desprovido de suas responsabilidades e o infantilizam, pois ambas deslocam o mal para fora do homem, quando este está diretamente ligado ao coração humano.

A Teologia da Prosperidade e a sua fantasia de negação do sofrimento e a exaltação do sucesso mostram que falta a clara noção do pecado. Comentando Eclesiastes, o filósofo Luiz Felipe Pondé observa:

A tarefa humana consiste, em primeiro lugar, em tomar conhecimento de que “tudo é vento que passa”. Peca, portanto, aquele que nega esse estado de coisas, fugindo à dor necessária e inevitável e escondendo-se dela atrás de uma barreira de coisas contingentes (sucesso, dinheiro, prazer pelo prazer): “Quem ama o dinheiro jamais terá o suficiente; quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito com os seus rendimentos. Isso também não faz sentido” Eclesiastes 5.10. [3]

Na Teologia da Libertação todo o fracasso do homem é fruto de uma conspiração do “sistema”, ou seja, a culpa é sempre de um grande ser abstrato [4]. Você é sempre vítima e nunca parte do processo. Exemplo é o pensamento de um dos principais expoentes da Teologia da Libertação no meio evangélico, o leigo católico Jung MoSung, que afirmou:

A culpabilização das vítimas, os excluídos, se dá por um mecanismo ideológico muito importante. A sociedade capitalista prega que todos têm a liberdade de fazer o que quer e que querer é poder. Dizem: “basta ter competência e fora de vontade”! Segundo essa lógica, se o pobre não pode comprar é porque, no fundo, ele não quer de verdade, não tem força de vontade, e não tem competência. Daí, concluem que os fracos de vontade e incompetentes merecem seu sofrimento e sua frustração [5].

É claro que uma “vida melhor” não depende somente da nossa força de vontade. Quem nasce em um país miserável e envolto em guerras civis é provável que morra miserável. Isso não dependeu de sua vontade e da falta dela. É uma terrível contingência. E um acidente? Uma doença na família? Uma crise econômica que resulte em amplo desemprego? Agora, a grande questão é a ideia por traz desse discurso piedoso e social: o homem sempre é vítima. Sim, é extremo dizer que o homem é dono de seu destino, mas é igualmente pensar que é isento totalmente de responsabilidades.

Veja o exemplo da escravidão. Aprendemos na escola que os escravos negros foram explorados pelos portugueses brancos e ricos no Brasil. Isso é um fato histórico. Mas a escola esquecia-se de dizer que os escravos africanos eram vendidos por outros africanos. O que quero trazer com esse exemplo? Ora, sempre víamos os africanos como vítimas e os portugueses como algozes. Só que o mundo é mais complicado do que esse maniqueísmo “progressista”. Entre os algozes estavam, também, outros africanos que vendiam seres humanos para portugueses. Isso justifica a escravidão dos portugueses? É claro que não. A escravidão é uma das principais violações dos direitos humanos praticadas pelas gerações passadas. Mas o exemplo mostra que “mocinhos e vilões” é coisa de Hollywood.

Outro exemplo é o debate sobre drogas. O usuário de crack é vítima? Sim e não. Sim, quando já dominado pelo vício o drogado é um completo dominado, ou seja, um caso de saúde pública. Agora, a primeira “tragada” foi fruto de uma escolha individual. Ah, mas a miséria o levou a isso, dizem os adeptos da antropologia positiva. Ora, se todo pobre (classe E) fosse usar drogas para “esquecer os problemas” já teríamos 16 milhões de usuários e a maior cracolândia do país estaria nos rincões do interior. No fundo é uma visão preconceituosa contra os pobres.

Mais um exemplo é o debate sobre a violência urbana. Na tese “progressista” o combate à violência passa por melhorias sociais, ou seja, a causa da violência é a pobreza. Mais uma vez volta aquela visão piedoso-preconceituosa. Se miséria produzisse violência urbana de maneira automática, logo a cidade do Rio de Janeiro seria infinitamente mais segura do que Lima, capital do Peru. E Mumbai, uma das cidades com as maiores favelas do mundo e com um dos menores índices de homicídios do mundo. E o que falar da Nova York da década de 1980? Era uma cidade riquíssima (e ainda é) e extremamente violenta (já não é mais).

Todas essas teses tentam jogar fora a responsabilidade individual.

A visão infantil

Na Teologia da Prosperidade também não há responsabilidade individual, pois o sucesso é saber os segredos de Deus, ou seja, é uma cabala de resultados práticos e a responsabilidade pela miséria ou prosperidade está em soluções mágicas. O homem de sucesso, no Movimento da Fé, é aquele sujeito que manipula o divino e é bom o suficiente para exigir de Deus. Ele faz por merecer suas bênçãos pelos sacrifícios da fé. Em ambas, a responsabilidade do homem nada conta. O escritor inglês G. K. Chesterton, escrevendo sobre livros que ensinavam o sucesso, afirmou:

Esperemos que vivamos todos para ver esses livros absurdos sobre o Sucesso cobertos propriamente de escárnio e abandono. Eles não ensinam as pessoas a obterem o sucesso, mas ensinam-nas a serem esnobes; eles realmente difundem um tipo de má poesia do materialismo. Os puritanos estão sempre denunciando livros que inflamam a luxúria; o que diremos dos livros que inflamam as mais vis paixões da avareza e do orgulho? Cem anos atrás, tínhamos o ideal do Aprendiz Diligente; era ensinado aos garotos que com parcimônia e trabalho eles todos se tornariam LordMayors. Isso era falacioso, mas era viril, e continha um mínimo de verdade moral. Em nossa sociedade, temperança não evitará que um pobre enriqueça, mas pode ajudá-lo a se respeitar. Trabalho duro não o fará um homem rico, mas fá-lo-á um bom trabalhador. O Aprendiz Diligente sobe por meio de poucas e limitadas virtudes, mas ainda assim virtudes. Mas o que dizer do evangelho pregado pelo novo Aprendiz Diligente; o aprendiz que sobe não pelas suas virtudes, mas abertamente pelos seus vícios [6].

A graça de Deus é a fonte de tudo, portanto, a graça de Deus é a fonte da generosidade para o coração corrompido. Como os modernos acreditam em si mesmo, logo o exercício da graça fica difícil. O teólogo da libertação vê sempre bondade no homem e o teólogo da prosperidade sempre vê triunfo no ser humano. A visão infantilizante impede de enxergar os limites do humano. Quando se enxerga os limites do homem se começa a ver a operação de Deus.

Quando o evangelicalismo brasileiro não estava contaminado pelas versões de Teologia da Libertação e Teologia da Prosperidade a assistência e a dignidade dos pobres eram mais bem trabalhadas, não em discursos piedosos, mas na prática evangelística. Que possamos voltar a essa realidade.

Referências Bibliográficas:


[1] LEWIS, Clive Staples. O Problema do Sofrimento. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2006. p 67.

[2] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Mattew Henry. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p 530

[3] PONDÉ, Luiz Felipe. Um punhado de pó. Dicta e Contradicta. Número 01. São Paulo: Junho, 2008, p 37.

[4] Talvez os teólogos da libertação devessem ler a famosa frase de George Bernard Shaw, escritor irlandês e Nobel de Literatura em 1925, que disse: "As pessoas sempre põem a culpa nas circunstâncias por serem quem são. Não acredito em circunstância: os indivíduos de sucesso são aqueles que saem e procuram as condições que desejam; e, se não as encontram, criam-nas”. A Teologia da Libertação sofre a síndrome de Adão: a culpa é sempre do outro.

[5] SUNG, Jung Mo. Se Deus existe, por que há pobreza?1 ed. São Paulo: Editora Reflexão, 2008. p 88.

[6] CHESTERTON, Gilbert Keith. A falácia do sucesso. Blog do Angueth: traduções, comentários e algumas relíquias do passado. Belo Horizonte, 2009. Em: <http://angueth.blogspot.com/2009/08/falacio-do-sucesso.html> Acesso: 22/01/2012.

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