A "vara da disciplina" bíblica dá margem a se espancar crianças?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


Em resposta em texto à indagação de um amigo no Youtube, resolvi escrever esta resposta para ajudar a outras pessoas. O meu amigo me perguntou se o texto de Pv. 22,15, que fala da "vara da disciplina", dá margem a que se espanque crianças, dado que o texto, alegadamente, é ambíguo e permite várias interpretações.

Em resposta em áudio eu lhe disse que o texto é objetivo mas deve ser, como num quebra-cabeças, visto em seu quadro todo. É impossível se julgar algo por um texto só. Pelo mesmo método, poderia citar fora do contexto o texto bíblico para dizer que "Deus não existe" (citando errado o Sl. 14,1). A Bíblia não é um manual de ciências naturais, de psicologia ou outro tratado do tipo. É um texto teológico, que expressa verdades transcendentais utilizando figuras de linguagem (ora literais, ora poéticas, etc.).

Ora, mas aí alguém poderia me dizer: "ah, Emerson, então como você sabe quais partes da Bíblia são literais e alegóricas?" Aí entram duas especialidades não muito apreciadas pelos céticos: a exegese e a hermenêutica. Claro, não sou sola scriptura, então também creio na Igreja para me mostrar o julgamento sobre um dado texto.

Mas, vamos ao texto em questão:
“A tolice está ligada ao coração do rapaz; a vara da disciplina é a que a removerá para longe dele.” — Provérbios 22,15.
Endossa a Bíblia apenas a punição física? Considere os seguintes conselhos:

• “Não tratem os seus filhos de tal maneira que eles fiquem irritados.”
• “Não irriteis os vossos filhos para que não caiam em desânimo.”

‘Isto é muito mais razoável do que o conselho da Bíblia’, alguns talvez digam. Mas estes são conselhos da Bíblia. Estão registrados em Efésios 6,4 (A Bíblia na Linguagem de Hoje) e Colossenses 3:21 (Missionários Capuchinhos).

Sim, o ponto de vista da Bíblia é razoável. Ela reconhece que a punição física em geral não é o método mais eficaz de ensino. Provérbios 8,33 diz: “Escutai a disciplina”, não diz: ‘Senti a disciplina.’ E Provérbios 17,10 salienta que “uma censura penetra mais em quem tem entendimento do que golpear cem vezes um estúpido”. Ademais, Deuteronômio 11,19 recomenda a disciplina preventiva, aproveitar momentos informais para incutir valores morais nos filhos. Portanto, o conceito bíblico sobre disciplina é equilibrado.

Que Dizer da “Vara”?
No entanto, a Bíblia realmente menciona “a vara” da disciplina. (Provérbios 13,24; 22,15; 23,13, 14; 29,15) Como se deve entender isto?
A palavra “vara” é tradução da palavra hebraica shévet. Para os hebreus, shévet significava cajado ou bastão, como o que era usado por pastores. Neste contexto, a vara de autoridade sugere orientação amorosa, não cruel brutalidade. — Salmo 23,4.
Shévet muitas vezes é usada simbolicamente na Bíblia, para representar autoridade. (2 Samuel 7,14; Isaías 14,5) Quando diz respeito à autoridade parental, “a vara” não se refere exclusivamente a punição física. Abrange todas as formas de disciplina, que na maioria das vezes não precisa ser física. E, quando se recorre a disciplina física, em geral é porque outros métodos falharam. Provérbios 22,15 diz que a tolice está “ligada” (“agarrada”, Pontifício Instituto Bíblico; “enraizada”, Bíblia Mensagem de Deus) ao coração da pessoa que recebe disciplina física. Nisto está envolvido mais do que mera frivolidade infantil.

Como se Deve Administrar a Disciplina?
Na Bíblia, a disciplina está coerentemente ligada ao amor e à brandura, não à ira e à brutalidade. O conselheiro habilidoso deve ser “meigo para com todos, . . . restringindo-se sob o mal, instruindo com brandura os que não estiverem favoravelmente dispostos”. — 2 Timóteo 2,24, 25.
Portanto, a disciplina não é uma via de escape para as emoções do pai ou da mãe. Antes, é um método de instrução. Sendo assim, deve ensinar a criança que errou. Quando administrada em ira, a disciplina física ensina a lição errada. Atende à necessidade do pai, não à da criança.
Ademais, a disciplina eficaz tem limites. “Terei de castigar-te no devido grau”, diz Deus a seu povo, em Jeremias 46,28. É especialmente vital lembrar disso ao se administrar disciplina física. Bater ou sacudir uma criança pode causar danos cerebrais ou até mesmo a morte. Ir além do objetivo da disciplina — corrigir e ensinar — pode levar ao abuso da criança.


Alguém poderia argumentar que dadas as aparentes "interpretações" (e vemos que seria necessário forçar o texto e o contexto para se extraírem múltiplas delas) do texto dado e da Bíblia, isto demonstra que Deus não foi muito eficiente em se comunicar, deixando ambiguidade no texto. Mas não é bem assim.


Antes de corrigir seu povo, Deus disse: “Não tenhas medo, . . . pois eu estou contigo.” (Jeremias 46,28) A disciplina não deve fazer a criança sentir-se abandonada. Em vez disso, a criança deve sentir que o pai ou a mãe está ‘com ela’ como encorajamento amoroso e sustentador. Caso se ache necessário dar disciplina física, a criança deve entender por quê. Provérbios 29,15 diz que “a vara e a repreensão é que dão sabedoria”.
Infelizmente, muitos hoje usam “a vara” da autoridade parental de modo abusivo. No entanto, não se pode achar falha nos princípios equilibrados da Bíblia. (Veja Deuteronômio 32,5.) Ao considerarmos “a vara” no contexto, vemos que serve para ensinar crianças, não para abusar delas. Como em outros assuntos, a Bíblia se mostra “proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas, para disciplinar em justiça”. — 2 Timóteo 3,16.

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