Num primeiro momento, muitos poderão se identificar, como uma alma Arida, e, isso é ruim. A aridez espiritual é dolorosa, mas necessária.
São João da Cruz fala da aridez, como a noite escura da fé, não uma noite traiçoeira, mas noite escura que muitos de nós estamos passando. Ela é necessária é importante para a vida espiritual, porque purifica a nossa sensibilidade, nos faz crescer no verdadeiro amor. A noite escura, o momento de aridez é quando rezamos e parece que nossa oração foi uma porcaria. É quando nos sentimos o pior dos seres humanos, choramos os próprios pecado, e vivemos uma parte dolorosa, que eu não desejo a ninguém, que é o silencio de Deus. O silencio que leva às vezes a uma angustia mortal. Lembremo-nos do Getsêmani onde Jesus passou na noite em que foi traído por Judas, a bíblia nos diz que sua alma viveu uma tristeza mortal, aridez, noite escura.
Só que tem um detalhe, Jesus viveu uma tristeza mortal, mas não se entregou, não teve medo, teve uma angustia mortal na alma, suou sangue, mas Ele se levantou e enfrentou dizendo aos guardas: “Sou eu”.
Um dos sintomas da aridez é a perda da alegria, e a sensação de angustia, mas não podemos confundir noite escura e angustia com depressão. A angustia no contexto da vida espiritual é uma renovação, a angustia é positiva, o que não tem nada haver com depressão, não tem nada haver com autodestruição, perda do sentido de viver. A angustia é um elemento de crise, e a crise não é um elemento negativo, é sinal de crescimento.
O momento que entramos numa aridez, pode ser o momento de profundo progresso espiritual, se ao caminharmos na noite escura, dizermos como Madre Tereza: “Senhor seja a minha luz”.
O objetivo de uma noite escura é levar-nos a nos despojar, a nos despir do nosso ego, de nossas vaidades, até na oração.
Santo Inácio, também fala sobre aridez espiritual, mas não usa a palavra noite, ele chama de momento de desolação, só que Santo Inácio fala que no momento de desolação nós somos guiados pelo mau espírito, por isso, devemos permanecer firmes, resistindo às tentações e na desolação,não devemos tomar.
A diferença entre uma alma vazia e uma alma arida é que, a alma vazia nunca bebeu a água, então não sabe o gosto. Enquanto que, alma arida é uma alma que já provou do lado aberto do Cristo o rio de misericórdia, já provou do Cristo a água que jorra para a eternidade. É como a samaritana, a quem Jesus disse: “Se soubesses quem te pede de beber, você é quem pediria (Jo 4, 10).
Nossa alma pode passar por um momento de aridez, de não sentir a consolação, não sentir a água jorrar do lado aberto de Cristo. Esse momento de aridez pode vir por algumas razões:
- Podemos estar bebendo da água que o mundo oferece. Podemos viver bebendo água contaminada, e nos acostumar com essa água de baixa qualidade, nos saciando com coisas erradas.
- Podemos entrar num estado de aridez, para que nos purifiquemos, e isso não é negativo. Um estado de aridez, uma noite escura provoca em nós a purificação dos desejos, a purificação do prazer.
São João da Cruz fala da gula espiritual, que é vivermos a nossa relação com Deus apenas para nossa satisfação. Rezamos, porque nos sentimos bem. Mas não é porque nos sentimos bem que rezamos, ou rezo é por Deus? Valorizamos demais as emoções, e a fé não é sentimento, fé sem razão é fanatismo. Cuidemos para não fazer de nossos ritos religiosos apenas um estado emocional, apenas uma busca de satisfação, apenas uma compensação de nossas neuroses. Ai é que entra o estado de aridez, uma noite escura para que o que nos motive, não seja nosso prazer, mas aquele que nos dá a consolação.
Então, não somos motivados pelo sentimento, pelo estado de felicidade, mas somos motivados por aquele que nos dá a felicidade, Deus.
Às vezes Deus nos priva da consolação para que não nos motivemos pela emoção e sentimento, mas ajamos pela fé.
Na noite escura da fé, Deus tem que nos conduzir, isso significa que não vamos a Ele unicamente pelos nossos méritos. Não chegamos a Deus só pelo nosso esforço, só pela nossa vontade. Dizer que o pensamento é tudo, está errado, o que conta é a graça e a gratuidade do amor de Deus. Ele nos ama, não porque somos bons, mas nos ama incondicionalmente.
Às vezes, por estarmos demasiadamente no pecado, nos saciamos no pecado. Por isso, volto ao texto de Romanos 12, 2: “Irmãos, não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito.”
Percebamos que não é a nossa vontade, não é só o que queremos para nós, mas qual a vontade de Deus para nós. E como saber o que Deus quer para nós? Como chegar a essa resposta?
O espírito não está na razão, é também parte, mas o espírito onde Deus fala está no profundo do nosso ser. É de lá que vamos ouvir o que Deus quer para nós.
São João da Cruz foi uma pessoa que procurou muito Deus fora, e foi encontrar Deus dentro de si mesmo. Isso não é individualismo, não somos nós por nós mesmos, mas é buscarmos Deus num espírito que transborda. Se ficarmos num egocentrismo não é Deus.
- O que também pode provocar uma aridez espiritual é uma prolongada fadiga física, o stress, o ativismo pode levar a uma aridez espiritual, e todos nós somos em potencial sujeitos a isso.
Muitas pessoas rezam a vida inteira, para não sofrer, mas o sofrimento é inevitável, o importante é como vivemos o sofrimento. Numa doença mal vivida, se não soubermos lidar na espiritualidade, pode ser nossa própria condenação, mas se soubermos trabalhar, administrar essa doença, pode ser nossa redenção. Não sublimar, não é negar, mas é administrar na fé, administrar na cruz de Cristo. É partir do principio do discipulado da cruz, tomar a cruz e seguir.
Uma estafa, um ativismo, uma fadiga prolongada, uma doença prolongada pode gerar uma aridez espiritual. Emoções muito fortes, perdas dolorosas também podem gerar.
Quando estamos nessas condições, só a água viva de Deus é que nos satisfaz. Outras coisas podem nos distrair, mas são paliativos. Santa Tereza D’Avila, passou 20 anos de noite escura, a ponto de ter dúvidas da presença real de Jesus na eucaristia, mas nunca deixou de comungar.
Madre Tereza de Calcutá, também viveu uma longa aridez espiritual que durou em torno de 50 anos. Chegou a questionar a existência de Deus, mas em nenhum dia deixou de sair pelas ruas reconhecendo o rosto do Cristo, no rosto dos pobres, nunca deixou de cuidar dos pobres e de ser pobre no meio dos pobres.
E nós como lidamos com nossa aridez, com nossas angustias, com nossa noite escura?
Há épocas que rezamos mais, outras menos, isso não é aridez espiritual, isso é fraqueza na fé. Significa que não estamos maduros, porque temos que rezar sempre, na mesma quantidade, não importa se sentimos prazer ou não.
Nos momentos de consolação a nossa oração flui, não sentimos o tempo passar, a pratica das virtudes fica mais fácil. Sentimos a presença de Deus, e esse fato nos leva a rezar com gosto, com dedicação, com fervor. Quando entramos numa aridez e quem não entrou se prepare, pois todos podem entrar a qualquer momento, nós entramos num estado de secura, de desanimo, de esfriamento da fé, e às vezes uma sensação de ter perdido a fé, não perdemos, mas temos essa sensação, e os momentos de oração se tornam enfadonhos.
Se voltamos para traz e diminuirmos o tempo de oração estamos guiados pelo espírito mau, se deixamos de ir à missa, porque estamos presos em nossas satisfações em nossos prazeres e não no criador do prazer, não estamos pela fé. Não podemos ter uma expressão de fé só baseada, só buscando satisfação momentânea.
São Francisco de Sales escreve em seu livro Filotéia: “É um erro medir a nossa fé através das consolações que experimentamos. A verdadeira piedade, o caminho para Deus consiste em ter uma vontade resoluta, em fazer tudo o que agrada a Deus.” Mesmo não compreendendo, fazer tudo o que nós sabemos que é de Deus, mesmo não nos dando satisfação, mesmo não encontrando consolação.
A alma arida tem que ter consciência, como uma criança que gosta do colo do pai, mas mesmo que ela não esteja no colo do pai, sabe que pode contar com ele. É esse o espírito com Deus, já experimentamos o colo do Pai, e mesmo que não nos sintamos em seu colo não significa que Ele não esteja presente. Ele está presente no amor que Ele nos fez experimentar, no amor que Ele sente, capaz de dar a vida por nós. É essa relação que temos que ter com Deus, nem sempre estamos no colo de Deus, às vezes não sentimos a presença de Deus, mas podemos sentir o amor de Deus. Isso é diferente e importantíssimo.
Se, sentimos que Deus está distante, estamos cometendo um erro em nossa espiritualidade, Deus não se distancia, nós é que não estamos sentindo o amor. Ele pode não estar presente, é o silencio de Deus, que dói demais, mas não quer dizer que Deus não está no amor.
São Paulo nos diz: “Seja sincera a vossa caridade “(Rm 12, 9), uma pessoa que não ama, não consegue ser caridosa, quem não ama não tem misericórdia, quem não ama finge para si mesmo e acaba destruindo a vida dos outros. Quem não ama acaba se envenenando com seu próprio veneno, quem não ama não tem qualidade de vida.
Na noite escura, aprendemos a amar a Deus por ele mesmo, e não pela consolação, ou pelo que Ele pode nos dar. Aprendemos Crer em Deus, confiar, esperar em Deus, mas esperar em Deus é esperar trabalhando, esperar contribuindo, esperar lutando, esperar rezando, esperar vigiando, esperar comungando e amando.
Madre Tereza de Calcutá, morreu com 66 anos, e quem olha para sua imagem vê um rosto enrugado, de quem foi uma santa em vida. Mas, ela viveu um profundo silencio de Deus, uma longa noite escura. No começo de sua vida espiritual ela estava indo a um retiro, e na estação ferroviária, ela teve uma experiência com os mais pobres dos pobres, como ela diz, e teve um momento de consolação tão grande com o próprio Jesus, que lhe pediu que começasse a trabalhar com os mais pobres entre os pobres. “Recusará?”, perguntou Jesus.”. Esse momento de profunda consolação foi tão forte que a levou a fundar uma congregação. Interessante que mal ela fundou a congregação, entrou numa aridez, a ponto de escrever a seu diretor espiritual, e isso em nada coloca em duvida ou interfere em sua santidade, mas ela escreveu dizendo: “Onde está a minha fé, aqui no mais profundo não há nada em mim. Meu Deus, que dolorosa está pena desconhecida, eu não tenho mais fé”.
Anos depois Madre Teresa de Calcutá, vivendo uma tortura de desolação, ela teve vontade de pegar o microfone e dizer a todo mundo, segundo estudos: “Eu sou uma hipócrita”. Mas, naquele momento Deus suscitou nela que se fizesse chamaria a atenção sobre si mesma, e não para Deus, e ela resolveu ficar no silencio de suas torturas.
Torturada a ponto de dizer: “Não há fé no meu coração, não há amor, não há confiança, há tanta dor, a dor de desejar, de não ser querida – amo a Deus com toda a força da minha alma” , mas não sentia consolação.
Madre Teresa nos lembra que na noite escura, podemos crescer na vida espiritual, podemos atingir a maturidade, podemos ser misericordiosos, e que a santidade está ao alcance de todos, inclusive daqueles que têm dúvidas.
Pelo Padre Reginaldo Manzotti
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