A EXTRAVAGÂNCIA DO AMOR

segunda-feira, 18 de abril de 2011

João 12,1-8

Vimos em outras oportunidades que alguns estudiosos consideram
que algumas partes do Evangelho de João estão mal situadas e que certos
capítulos e versículos não estão no lugar que lhes corresponde. Alguns
suspeitam que há algo fora de lugar neste capítulo. Moffatt, por exemplo,
ordena-o desta forma: versículos 19-29; 1-18 e o versículo 30 e logo os
versículos 31 ao 42. Aqui se conserva a ordem da versão Cipriano da
Valera mas se o leitor ler o capítulo segundo o reordenamento
mencionado verá com maior clareza a sucessão e a relação dos
acontecimentos e a linha de pensamento.

O fim de Jesus estava muito próximo. O fato de ter ido a Jerusalém
no momento da Páscoa era um ato de coragem suprema porque as
autoridades o haviam proscrito (João 11:57). As multidões que
chegavam a Jerusalém para a festa eram tão numerosas que não havia
forma de conseguirem alojamento dentro da própria cidade. Betânia era
um dos lugares fora dos limites da cidade que a Lei estabelecia como
sítio apropriado para alojar os peregrinos.
Quando Jesus chegou a Betânia ofereceram uma festa e uma
refeição. João não o diz de maneira explícita mas deve ter passado na
casa de Marta, Maria e Lázaro porque em que outra parte podia servir
Marta se não foi em sua própria casa? Nesse instante o coração de Maria
se sentiu inundado de amor. Tinha uma libra de ungüento de nardo,
muito valioso. Tanto João como Marcos o descrevem com o adjetivo
pistikos (Marcos 14:3). É estranho, mas ninguém sabe com certeza qual
é o significado dessa palavra. Há quatro possibilidades. Pode vir do
adjetivo pistos que significa leal ou confiável e portanto pode indicar
algo genuíno. Pode derivar do verbo pinein que significa beber e assim
indicaria liquido. Pode tratar-se de uma marca e talvez deve limitar-se a
traduzir nardo puro. Pode provir de uma palavra que significa noz
pistacho e seria um tipo especial de essência que se extrai dela. Seja
como for, era um tipo de perfume muito valioso. Maria ungiu os pés de
Jesus com este perfume. Judas, com muito pouca bondade, questionou
esta ação dizendo que era um simples esbanjamento. Entretanto, Jesus
refutou seu comentário afirmando que se podia dar dinheiro aos pobres
em qualquer momento mas que qualquer atenção que se fizesse a Ele
devia levar-se a cabo nesse momento porque logo já não haveria
oportunidade para fazê-lo.
Aqui nos encontramos com toda uma série de pequenas descrições
de personagens.
(1) Temos a personalidade de Marta. Servia a mesa. Marta sempre
foi coerente. Amava a Jesus; era uma mulher com os pés sobre a terra; a
única forma em que podia demonstrar seu amor era mediante o trabalho
de suas mãos. Marta sempre dava tudo o que podia dar. Mais de um
homem eminente que se destacou no mundo só chegou a ser o que foi
porque alguém se ocupava dele e de suas necessidades vitais com amor
no lar. Pode-se servir a Jesus tanto da cozinha como do estrado público
ou de uma carreira que se exerce sob o olhar de todos os homens.
(2) Temos a personalidade de Maria. Maria é aquela que, acima de
todas as coisas, amava a Jesus. E nesta ação de Maria vemos três coisas
sobre o amor.
(a) Vemos a extravagância do amor. Maria tomou o objeto mais
prezado que possuía e o gastou todo em Jesus. O amor não é autêntico se
calcular os custos com cuidado. O amor dá tudo e a única coisa que
lamenta é que não tem mais para dar.
O. Henry, um professor do conto, tem um muito comovedor que se
intitula O presente dos Reis Magos. Trata-se de um casal jovem, Della e
Jim, que eram muito pobres mas estavam profundamente apaixonados.
Cada um deles tinha uma só coisa que lhes pertencia de maneira
especial. O cabelo da Della era seu orgulho. Quando o soltava era quase
como um manto. Jim tinha um relógio de ouro que tinha herdado de seu
pai e do qual se orgulhava. A véspera de Natal, Della tinha só um dólar e
oitenta e sete centavos para comprar um presente para Jim. Fez a única
coisa que estava em seu poder fazer: saiu à rua e vendeu sua cabeleira
por vinte dólares. Com o que obteve comprou uma cadeia de platina para
o precioso relógio de Jim. Quando seu marido voltou para a casa de noite
e viu o cabelo curto da Della se deteve como petrificado. Não se tratava
de que não gostasse ou que tivesse deixado de amar à sua esposa. Estava
mais formosa que nunca. Lentamente lhe entregou seu presente: era um
par de pentes de prender cabelos, muito caros, com pedras incrustadas
nas bordas. Tinha-as comprado para que as luzisse em sua cabeleira. E
tinha vendido seu bonito relógio de ouro para adquiri-las. Cada um
entregou ao outro tudo o que possuía. O amor autêntico não pode
conceber outra forma de dar.

(b) Vemos a humildade do amor. Era um sinal de honra ungir a
cabeça de alguém. "Unge minha cabeça com óleo", diz o salmista
(Salmo 23:5). Mas Maria não ousava tocar a cabeça de Jesus; ungiu seus
pés. Jamais pensou em conferir uma honra a Jesus. Nem sonhou que era
digna de fazer algo assim.
(c) Vemos a falta absoluta de consideração de si mesmo do amor.
Maria enxugou os pés de Jesus com seu cabelo. Nenhuma mulher
respeitável da Palestina se animaria a aparecer em público com sua
cabeleira solta. No dia de seu casamento, atava-se o cabelo da mulher, e
nunca mais era vista em público com o cabelo solto. Era um sinal de
imoralidade a mulher aparecer em público com seu cabelo sem recolher.
Mas Maria nem sequer pensou nisso. Quando duas pessoas se amam de
verdade vivem em um mundo próprio. Caminham com lentidão por uma
rua lotada de gente, tomados pela mão, e nem lhes passa pela cabeça
pensar no que dirão os outros. Regozijam-se em que outros vejam seu
amor. Há muitas pessoas que se protegem de mostrar que são cristãos.
Sempre têm em conta o que pensarão outros. Maria amava a Jesus. Para
ela a opinião de outros carecia de toda importância.
Mas há algo mais sobre o amor nesta passagem. João escreve: "A
casa se encheu do aroma do perfume." Já vimos que muitas das frases de
João têm dois sentidos. Um deles é o superficial, o outro é mais
profundo. Muitos dos Pais da Igreja e muitos estudiosos viram um duplo
sentido nesta frase. Consideram que estas palavras significam que toda a
Igreja levou a doce lembrança da ação formosa de Maria. Uma ação
bonita passa a pertencer ao mundo inteiro. Adiciona algo à beleza da
vida. Uma ação bonita leva um elemento sempre precioso ao mundo,
algo que não desaparece com o tempo. As histórias de amor são as
histórias imortais do mundo.

Extraído de Comentário do Novo Testamento de William Barclay

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