Países ateus?

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Países ateus?

Ateísmo: originado do grego ἄθεος (atheos), era aplicado a qualquer pessoa que não acreditava em deuses, ou que participava de doutrinas em conflito com as religiões estabelecidas.
Ultimamente temos nos deparado com uma série de pesquisas sobre os índices de ateísmo no mundo. Interessante que a grande parte delas vem recheadas de generalizações (apressadas ou não) que pretendem explicar o porque do crescimento do ateísmo. Ora, que o ateísmo viesse crescendo gradativamente é algo que foi previsto desde o modernismo, e talvez revisto no pós-modernismo; Mas não é realmente surpresa esse conceito que prevê que na medida que a população estude mais, que a ciência avance, cada vez mais pessoas virem as costas para explicações dogmáticas ante questões existencialistas como a origem do universo e a origem de homem na Terra.
É surpreendende, no entanto, que algumas dessas pesquisas apontem para índices avassaladores de ateísmo em certos países, na casa de 80% ou mais! E que atrelem, de forma quase gratuita, esse crescimento a uma noção quase mística de "inteligência" e "educação" presentes em tais países. Vejamos alguns exemplos que achei na web (tentem guardar a sequência de informações):
Países ateus são mais justos, confirmam pesquisas (Recanto das letras)
"(...) os países menos religiosos do mundo são os mais justos, mais éticos, possuem forte economia, baixa taxa de criminalidade, os mais altos índices de qualidade de vida, altos padrões de vida e igualdade social. Ao contrário, os países mais religiosos são aqueles com maior desigualdade, criminalidade, corrupção, injustiça e outras pragas sociais, como Brasil."
Proporção de ateus em alguns países (Neo-Ateus)
"Os Neo-Ateus são radicais em sua postura anti-religiosa e não só desacreditam divindades como reconhecem que o mundo seria melhor se ninguém acreditasse nelas."
Há um 'infográfico' que traz a informação que a Suiça tem 85% de ateus, sem menção a Suécia, Noruega ou Dinamarca - apesar da fonte nos rememeter ao estudo de Phil Zuckerman, que veremos à seguir.
Deus não existe! (Revista Enfoque - evangélica)
Ao longo da matéria temos uma tabela com "as 20 nações com os mais elevados índices de ateísmo", onde em primeiro lugar temos a Suécia com 85%, a Suiça sequer aparece, e diz-se que a fonte é o mesmo estudo do caso acima, de Phil Zuckerman. Notem que este artigo é de uma revista evangélica.
"Os ateus são mais inteligentes" (Revisa Época)
"O pesquisador britânico Richard Lynn dedicou mais de meio século à análise da inteligência humana. (...) Ao analisar mais de 500 estudos, Lynn disse estar convencido da relação entre Q.I. alto e ateísmo. 'Em cerca de 60% dos 137 países avaliados, os mais crentes são os de Q.I. menor', disse. Seu trabalho será publicado em outubro na revista científica Intelligence." - Notem que ele tirou sua conclusão baseado numa amostragem de 60% do total de países avaliados.
Atheism: Contemporary Rates and Patterns (artigo em inglês publicado em Cambridge)
Aqui sim, temos o texto original do artigo de Phil Zuckerman, ao que os outros artigos acima atribuíram os índices de ateísmo em certos países. Interessante notar que por "ateísmo" deve-se tomar todos aqueles que reponderam "não acreditar em um Deus" e também os agnósticos. Finalmente, na tabela com os "50 países com maior porcentagem de ateus" verificamos a "acuidade" dos índices: 1 - Suécia (entre 46% e 85%); 2 - Vietnam (81%); 3 - Dinamarca (entre 43% e 80%); 4 - Noruega (entre 31% e 72%); 5 - Japão (entre 64% e 65%); (...)
Agora vejamos o que os sites governamentais nos trazem:
Comunidades Cristãs na Dinamarca (artigo em inglês do site oficial do governo dinamarquês)
Logo no início desse texto do próprio governo dinamarquês, verificamos que os cristãos correspondiam a 84.1% da população em 2002. Notem que cristãos costumam acreditar em um Deus.
Estarão os suecos perdendo sua religião? (artigo em inglês do site oficial do governo sueco)
Ao longo desse artigo que reconhece que a religiosidade na Suécia está em queda, temos a informação oficial de que: "praticamente 8 de cada 10 suecos são membros da Igreja da Suécia - 7 milhões"; "apenas 5 de cada 10 casamentos são realizados na Igreja da Suécia"; e finalmente que "9 de cada 10 enterros na Suécia seguem o cerimonial cristão". Notem que os percentuais são respectivamente de 80%, 50% e 90%.
Pesquisando e analisando tais informações de forma menos apressada comparada a forma em que foram alardeadas na internet, cheguei a algumas conclusões (talvez concordem comigo):
1- Sobre a relação da educação com o ateísmo
Como disse no início, me parece lógico que a medida que o nível de educação aumente em certos países, a tolerância a explicações dogmáticas para a existência humana caiam por terra. Isso não quer dizer no entanto que o ateísmo aumente na mesma medida que a negação ao dogmatismo. De fato, o que podemos notar no mundo todo é exatamente a procura por explicações alternativas às questões existencialistas; Daí o vertiginoso crescimento das chamadas "religiões de Nova Era", que muitas vezes sequer são religiões, no sentido em que compreendemos uma religião como uma igreja e suas hierarquias, mas antes novas filosofias ou doutrinas espiritualistas. Da mesma forma, nem todos os que abandonam o dogmatismo necessariamente abandonam a crença em Deus.
2- Sobre a relação do Q.I. com o ateísmo
Existem inúmeras discussões acerca do que significa exatamente a inteligência. Pode-se dizer que hoje muitos estudiosos atrelam o conceito de inteligência não somente ao raciocínio ou a memória, mas também a capacidade de controlar as emoções e usa-las de forma equilibrada e racional, o que ficou conhecido por "inteligência emocional". Dessa forma, um teste de Q.I. não servirá como medidor único da inteligência humana.
Pior ainda é usar uma amostragem de 60% do total de países avaliados para trazer qualquer conclusão acerca da relação de Q.I. elevado com ateísmo elevado. Simplesmente não faz o menor sentido enquanto pesquisa. Me parece um caso clássico de generalização apressada: "Minha avó tem dor de cabeça crônica. Meu vizinho também tem e descobriu que o motivo é um câncer. Logo, minha avó tem câncer."
3- Sobre a validade da pesquisa de Phil Zuckerman
Os dados dessa pesquisa me parecem um tanto imprecisos. Afirmar que entre 46% e 85% dos suecos são ateus é mais ou menos como afirmar, em uma pesquisa de boca de urna, que um candidato a eleição pode ou não ter a maioria dos votos. A margem de erro é simplesmente avassaladora. Não faz muito sentido enquanto pesquisa, simplesmente nem se pode tirar qualquer conclusão (apressada ou não) dela. Decerto faz sentido que o ateísmo no Vietnam seja altíssimo (e Zuckerman explica as razões em seu artigo), mas mesmo no caso do Japão (entre 64% e 65% de ateus - segundo a pesquisa) podemos constatar que os dados simplesmente não correspondem ao que dizem inúmeras outras fontes. Ah não ser que consideremos xintoístas e budistas como ateus (o que decerto não faria o menor sentido), podemos afirmar com convicção que sem sombra de dúvida o ateísmo no Japão é muito menor.
4- Sobre a contradição dos dados apresentados
Mesmo que os sites que usaram de forma errada os dados da pesquisa de Zuckerman fossem desconsiderados, ainda nos resta a clara contradição com dados oficiais dos sites dos governos da Dinamarca e da Suécia (apresentados acima). Ou seja, se 84% da população da Dinamarca era cristã em 2002 (nem estamos contando muçulmanos e outros religiosos), me parece improvável que mesmo o menor valor apresentado na pesquisa de Zuckerman (43% de ateus na Dinamarca - menor valor segundo a pesquisa) corresponda a realidade. Quanto ao maior valor, trata-se então de um delírio absolutamente não compatível com o pensamento cético.
5- Sobre a falácia do "apelo à multidão"
Trata-se de um raciocínio falacioso: "Você não acha que se uma religião cresce tanto em tão pouco tempo é porque Deus está com ela?"; Ora, e o que acha que esses "neo-ateus" [1] fazem ao associar o ateísmo a maior inteligência ou a maior educação de um certo país? Não poderíamos também encontrar aqui a mesma falácia: "Você não acha que se esses países tem alto nível de educação e maioria de ateus, é porque o ateísmo é a tendência natural da evolução da inteligência humana?"
Se esses "neo-ateus" pretendem "evangelizar" sua descrença apoiados em falácias tão comuns de evangelizadores religiosos ao longo da história, que pelo menos se declarem não-céticos e não-agnósticos, pois decerto o ceticismo passa muito longe desse tipo de raciocínio!
***
[1] Há muitos que creem que neo-ateus não existem. Vocês devem ter reparado que tenho usado o termo entre aspas, é que também concordo que o termo mais adequado é este outro, muito embora seja bem menos conhecido e/ou divulgado: Anti-teísmo.
Crédito da imagem: Daily Atheist (exemplo clássico de "evangelização ateísta", talvez com certa dose de humor)

Fonte: http://textosparareflexao.blogspot.com

1 comentários:

Cleiton disse...

Não é preciso evangelizar descrença. Basta apenas dar educação. O ateísmo é uma iluminação natural ao conhecimento. Não quero dizer com isso que todos que são educados serão ateus um dia. No entanto, isso ajuda muito na busca pelo conhecimento das causas que levam as pessoas a crer em algo ou não.
Por isso, muitas religiões são contra a educação.

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