Reflexões sobre a campanha da ATEA: Ônibus ateus circulando em Porto Alegre e Salvador

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

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Dawkins realmente faz escola: a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), liderada por Daniel Sottomaior, acabou de copiar a campanha de auto-ajuda (ver aqui) do ônibus ateu feita na Inglaterra. Quatro imagens (que você pode ver acima) circularão em Salvador e Porto Alegre  Um resumo da história pode ser encontrado no site da Zero Hora.
Para variar, as alegações e os banners são pífios. Nenhuma resiste a uma análise crítica de 5 minutos. Vamos lá:
  • Somos todos ateus com os deuses dos outros
Essa técnica é uma velha conhecida nossa – “Todos são ateus”. Já a refutei nesse post. Dizer “Somos todos ateus” faz tanto sentido quanto dizer que um militante do PT é “apolítico” em relação aos outros partidos. O que a pessoa possui é uma opção definida diante de um CONJUNTO existente de doutrinas (políticas ou religiosas), que é EXATAMENTE o que a diferencia de um apolítico ou um ateu (conforme a definição da ATEA). Ou seja, não faz sentido algum dizer que “Somos todos ateus”, se quisermos respeitar a boa e velha lógica. Para não me alongar em um assunto que eu já discuti, peço que quem quiser saber mais sobre o assunto leia o link acima.
Detalhe: eles também definem, na mesma imagem, Jesus Cristo como “Mito Palestino”. Como o uso da palavra “mito” tem o sentido popular de “falso”, o que ele está dizendo para todos os cristãos não é nada mais do que “você acredita em uma MENTIRA!”. Uma bela primeira abordagem para os ateus, certo? Parabéns pela inteligência e por saber introduzir a si mesmo, Daniel Sottomaior…
  • A fé não dá respostas. Ela só impede perguntas
Mais uma besteira ofensiva, passando a imagem de que a fé “controla” os religiosos. É claro que a ATEA tem que EDITAR a definição de fé para sua propaganda funcionar, confundindo “fé em Deus” (que é a confiança saudável n’Ele) com “fé cega em Deus” (que é a confiança irrestrita, que impede até o entendimento).
Primeiro, vamos explicar algo brevemente: o Cristianismo é uma crença apropriadamente básica que possui justificativa epistêmica para suas duas premissas sustentadoras (a existência de Deus e a ressureição de Jesus – sobre isso, ver o trabalho de apologistas cristãos, pois o objetivo desse blog não é fazer apologia a favor do Cristianismo, mas INVESTIGAR o neo-ateísmo, apenas). O contato da pessoa com o Cristianismo normalmente se desenvolve através de tentativas DIRETAS de relação. A partir daí, surge a fé na religião, que é a CONFIANÇA que Deus se relaciona com ela por aqueles meios. Se a pessoa nunca teve um pedido atendido ou nunca teve uma experiência religiosa, por exemplo, então é plausível pensar que a fé dela não vai ser alta. E o inverso também é verdadeiro.
Resumindo, a fé (em seus vários níveis) se constrói a partir de evidências, mas de cunho PESSOAL e individual (pois não há como reproduzi-las) que se baseiam na própria experiência direta do ato de conhecer Deus. E essas evidências, assim como o testemunho de confiança na sua mãe ou o testemunho de um assassinato que você viu e não tenha como checar por fontes externas posteriormente, são plenamente válidas. Você não tem como reproduzir, mas tem confiança aquele fato realmente aconteceu ou que sua mãe é uma pessoa confiável. A evidência por testemunho direto não é inválida, se não estiver fora dos seus domínios naturais.
E isso impede absolutamente a pessoa de perguntar? De maneira alguma. A confiança em Deus, como qualquer outra confiança carregada pelo seres humanos, pode variar com o passar do tempo. E é natural que a partir disso a pessoa procure algumas explicações para entender melhor os fatos. Essa é uma confiança normal e natural dos seres humanos, que não é contrária ao conhecimento. Se a fé impedisse as perguntas, então como os ateus da UNA conciliariam isso com a existência de (no mínimo) 800 perguntas da Suma Teológica de Tomás de Aquino, por exemplo? Será que ele nunca teve fé?
Deixando claro o que é a fé e como se desenvolve, também temos que lembrar que no cristianismo existem CRÍTICAS a fé cega, que é a confiança incondicional em algo ou alguém (como a de humanistas no “novo homem”, digamos). Um exemplo de crítica dada pelo teólogo D. James Kennedy:
A afirmação que a crença no cristianismo produz uma visão irracional, inculta ou ininteligente da vida é completamente falsa. E a declaração que o ceticismo produz uma visão racional, inteligente e iluminado do Universo é igualmente falsa.
O Pe. José Fernandes de Oliveira complementa:
Cegueira não é virtude. Se o cego pudesse, gostaria de ver. Uma coisa é ser cego, outra, agir como cego. Por isso, a fé cega, longe de ser virtude é imaturidade. Nossa fé precisa ser inteligente. Vale mais a fé que pergunta, como a de Maria diante do anjo, do que a fé cega. Querer saber porque é bonito e é bom. Eu creio em Jesus, mas não de olhos fechados. Quero ver o mundo por onde ele me conduz”.
A Bíblia também diz: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu ENTENDIMENTO e de todas as tuas forças.” (Marcos 12:30).
Só por aí já dá para ver que a definição de “fé impede o entendimento” dada pela ATEA não está de acordo com o Cristianismo tradicional.
Enfim, esse truque é o outro manjado de trocar a definição de “fé” por “fé cega”, dando a entender que religiosos estão presos em uma gaiola mental que não admite estudos. Admiro-me de tal coisa ainda estar circulando em ônibus – até porque estamos vendo para quem aqui é que falta estudo. Aliás, desafio qualquer membro da ATEA a vir aqui e PROVAR que a minha fé alguma vez me impediu de fazer perguntas, como eles alegam que ocorre. E aí, vão conseguir?
(*) Agradecimentos a Luciano Ayan pelos trechos do Padre e do Teólogo.
  • Se Deus existe, tudo é permitido
Falso. Se Deus existe, então, de acordo com a visão teísta clássica (e é ESSA que deve ser criticada, para não cairmos em falácia do Espantalho), existem VALORES MORAIS OBJETIVOS, sendo objetivamente bons o amor, o auto-sacrífico, o respeito ao próximo, etc, e objetivamente ruins a violência, o ódio e outros. Esses valores não são “espontaneamente” criados – eles são parte ESSENCIAL da natureza de Deus, isto é, não poderiam ser diferentes.
Então, se Deus existe, existe um padrão que NÃO permite certos atos, como o 11 de Setembro. Um teísta pode criticá-lo com base na moral objetiva. O ateu pode o quê? No máximo, dizer que não gostou, pois o ateísmo implica necessariamente no relativismo moral ontológico. Matar pessoas ou destruir prédios são só atos socialmente inconvenientes por uma definição de convenções arbitrárias, como dobrar a esquerda ou a direita na rua – não são, de fato, atos ruins.
Analisando de acordo com a concepção tradicional do teísmo, essa história de dizer que “a partir da vontade de Deus pode se ordenar qualquer coisa” ou que “se podem cometer atrocidades em nome de Deus” é mentira deslavada. Os valores são alguns  – bem definidos e conhecidos – e são essenciais, não criados a partir da vontade de Deus “do nada”. O fato é que essas ações, como a mencionada, são moralmente contrárias a natureza moral divina, que é o guia de ação para o teísta, seguindo logicamente que elas seriam qualificadas como imorais e proibidas. O argumento foi, portanto, derrubado. Qualquer terrorismo como o de Nova Iorque não é válido dentro do teísmo clássico. Vamos ao próximo.
  • Religião não define caráter (com uma foto de Charlie Chaplin – “Não acredita em Deus” – e Hitler – “Acredita em Deus”)
A questão de “caráter” se refere, por extensão, aos conceitos de “bom” e “mau”. Mas se Deus não existe, então não existem valores morais objetivos – um padrão de conduta que deva ser seguido independentemente se a pessoa concorda com ele ou não. Toda nosso entendimento moral se resume a pressões sociobiológicas dominantes em determinados momento histórico. Agora, achamos que Hitler estava errado. Mas com certeza haviam nazistas que achariam que Hitler tinha mais caráter do que Chaplin ao aplicar seu processo genocida revolucionário. Como o ateu justificaria de forma absoluta que esse cidadão alemão estaria com uma concepção de justiça errada, sem um padrão de comparação objetivo? A questão de “definir caráter” torna-se vazia, dentro do ateísmo.
Outra: Chaplin acreditava em “Deus”, mas como um ser impessoal ou como um Ser Supremo que mantem a ordem da natureza. Na biografia escrita por seu filho, ele diz: “Some scientists say that if the world were to stop revolving we’d all disintegrate. But the world keeps on going. Something must be holding us all in place–some Supreme Force. But what it is I couldn’t tell you." (Charles Chaplin, Jr., My Father, Charlie Chaplin, pages 239-240). Também não sabemos se Hitler realmente acreditava em Deus ou se só o dizia no mesmo modus operandi de Dilma Rousseff nas últimas eleições. Alias, a propaganda não conseguiu não ter sequer coerência interna, pois diz “RELIGIÃO não define caráter”, e usa uma legenda (questionável) “Hitler acredita em DEUS”. Acreditar em Deus não é sinônimo de ter religião….
Fica clara a diferença entre uma campanha religiosa e uma pelo ateísmo, nesses moldes: a primeira se baseia na defesa e construção de valores e a outra se baseia na DESTRUIÇÃO de valores que as pessoas possuem (e como ateísmo, segundo a ATEA, é “mera descrença em Deus”, então ele sequer chega a ser uma posição para construir algo). A campanha diz “Não ao preconceito aos ateus”, mas ao mesmo faz algo que vai GERAR preconceito, pois a propaganda é puramente ofensiva. É natural que as pessoas fiquem incomodadas com alguma  das frases exemplificadas acima, podendo rotular os ateus como “arrogantes” e coisas assim.
Concluindo, um último pedido: da próxima vez que os ateus sofrerem rejeição social, pergunte-se, lá no fundo, se as besteiras da ATEA não tem alguma relação com isso.

(*) Posts discutindo argumentos para a existência de Deus ou do Cristianismo NÃO serão aceitos. Não permitirei que desvirtuem a discussão.

Fonte: http://teismo.net/

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