O Darwinismo Social, a aplicação das teorias de Darwin à política social, manifestou-se de diversas formas. Os industriais do século 19 usaram-no para justificar um comportamento implacável nos negócios. Hoje, muitos políticos conservadores são seguidores do Darwinismo Social, mesmo em seus ataques ao Cristianismo. Os "libertários" que enfatizam que não deveriam existir restrições sobre o indivíduo são, na maior parte, seguidores de Ayn Rand. Sua filosofia é resumida no título de um dos seus livros, "A Virtude do Egoísmo". O ateísmo militante de Ayn Rand manifestou-se em ataques brutais ao Cristianismo. Seu principal argumento é que ao ensinar o amor, o Cristianismo enfraquece a sociedade, onde o forte deveria prevalecer e o fraco deveria extinguir-se.
Confesso que não conhecia nada sobre esta autora até pouco tempo atrás, em virtude do lançamento no Brasil do seu best-seller A Revolta de Atlas, publicado em um bonito box com três volumes pela Editora Sextante, mas devo dizer que concordo com o que foi dito acima sobre ela, pelo que pude pesquisar sobre sua vida e após a leitura deste livro: filósofa russa nascida em 1905 e radicada nos EUA, país que considerava um modelo de nação, defendia que o homem poderia fazer o que quiser, tendo como objetivo maior a sua própria felicidade, a razão como seu princípio absoluto e a capacidade produtiva como atividade mais nobre. Ateia convicta, opunha-se a qualquer tentativa de entrega de direitos em favor do bem público, tanto pela ação do Estado quanto da religião, e neste sentido, era contrária ao Socialismo e ao Cristianismo.
Mesmo considerando a sua biografia, ao ler a sinopse da história interessei-me bastante pelo livro, adquirindo-o imediatamente após o seu lançamento. A trama é uma espécie de ficção científica-social cujo cenário se passa em um mundo distópico, onde a sociedade norte-americana é comandada por burocratas que, valendo-se de um sistema de pensamento que distorce o conceito de "caridade social", usam da burocracia, incompetência, corrupção e intervenção estatal para minar o trabalho dos verdadeiros pensadores e inovadores, mesmo que não abrindo mão de se aproveitarem dele; daí o título original do livro, Atlas Schrugged, que sugere um campeão encolhido, tendo que sustentar o peso do mundo. Chega um tempo entretanto que estes cidadãos verdadeiramente produtivos começam a desaparecer, um a um, misteriosamente, deixando o mundo à beira do desastre. Em A Revolta de Atlas, Ayn Rand escreveu uma história realmente envolvente [1], bem pensada, com personagens fascinantes, e toda permeada com a sua ética e pensamento.
O fato é que, ao longo da leitura deste livro cativante, em muitos momentos me identifiquei com a história, e em outros não; ora sentia-me atraído, ora não. Ler A Revolta de Atlas levou-me a refletir bastante sobre pontos importantes, e mesmo discordando de sua visão, conforme explicitada ao longo da história, concordo bastante com alguns dos pontos de vista da escritora. Identifico-me com Ayn Rand por exemplo em sua crítica à redução do ser humano a um mero animal como todos os outros, ou à ideia de que não existem absolutos, ou valores, mas que apenas os costumes sociais e o que é definido como "bem comum" são o que importam. Concordo com sua crítica à ignorância, à incompetência, ao antirracionalismo, à moral amorfa do relativismo, à centralização de poder pelo Estado, à ideia de que devo submeter-me, igualar-me ou medir-me pela mediocridade dos outros, ou que lucrar com o trabalho honesto, produzindo assim riqueza econômica, seja pecado.
Contudo, também percebi um certo traço de individualismo em seus personagens e filosofia com o qual não me identifiquei, pois considero que ser cristão não é simplesmente viver para si mesmo, mas fazer parte de um Corpo (1 Co. 12:27), viver em união com outros, ajudando-se mutuamente (Cl. 3:13), e unido com o próprio Cristo (Jo. 17:21-23). Além disso, também penso que ser cristão não é renegar a capacidade racional em si; muito pelo contrário, a Bíblia nos ensina o valor e excelência do conhecimento e da sabedoria (Pv. 3:13; 10:14; 18:15). Contudo, o crente tem a consciência de que não é a razão humana, imperfeita, a referência última do que é bom e verdadeiro, a medida de todas as coisas, mas sim o Senhor Deus, cuja vontade é revelada em sua Palavra, nossa regra de fé e prática (Sl. 119:105,130; Is. 8:20; 2 Tm. 3:15-17). Submeter-se ao Senhorio de Cristo não significa negar o ser humano mas sim confirmá-lo: nega-se a sua natureza corrompida, e não o ser em si; continua ser humano, mas agora restaurado. Discordo plenamente da autora quando diz por exemplo em seu livro que no Éden o homem "existia sem mente, sem valores, sem trabalho, sem amor, não era homem"; era o contrário: ele tinha relação íntima com Deus (Gn. 3:8), noção de certo e errado (Gn. 2:17), trabalho (Gn. 2:19), prazer sexual (Gn. 1:28; 2:24), e ao contrário de ser "um robô" tinha verdadeiro livre arbítrio, que usou para decidir por si mesmo o caminho da desobediência, tornando-se aí sim um completo escravo (Sl. 51:5; Jo. 8:34; Rm. 3:9,19), e sofrendo os efeitos físicos e espirituais da morte (Rm. 3:10-18,23; Ef. 2:1).
O Rev. John Piper escreveu um ótimo ensaio sobre Ayn Rand, sua ética e pensamento, disponível neste link. Nele, o pastor reformado descreve como sofreu da mesma sensação de "atração paradoxal" com os livros da filósofa que também tive com este livro, analisa a sua filosofia e destaca os pontos positivos e negativos de sua visão de mundo. Recomendo muito a leitura deste ensaio [2], assim como o livro A Revolta de Atlas, disponível para compra neste link. Achei-o um livro realmente instigaste, e garanto que tive uma leitura muito proveitosa, mesmo que não me identificando ou concordando inteiramente com a história.
[1] A leitura do segundo volume estava tão interessante que um dia, indo ao trabalho de trem, acabei me esquecendo de descer na estação correta…
[2] Uma ressalva: o ensaio contêm spoilers da trama.
Fonte: http://nerd-protestante.blogspot.com/
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