A Europa nasceu na Idade Média?

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Europa nasceu na Idade Média?
Com seu estudo sobre o passado, Le Goff quer participar da construção do presente
por Néri de Barros Almeida

Guilielmo Blaeuw, Europa, século XVIII
Os debates acerca da adesão de novos países à Comunidade Européia, notadamente a Turquia, mostram as dificuldades de concretização do projeto de Europa subjacente à União Européia. Tais hesitações evidenciam o quanto há de arbitrário na noção de Europa. Que vem a ser a Europa? Quando se inicia sua história? Quais as bases de sua legitimidade? Jacques Le Goff aceita o desafio da questão: a Europa nasceu na Idade Média? A esta pergunta – que constitui o título francês da obra – o autor tenta responder afirmativamente a cada página.

Desde a década de 80, Le Goff passou a militar em favor da idéia de “Europa cultural”: unidade cultural ancestral que legitima a unidade econômica atual e os meios para sua efetivação. Tal legitimidade, deixa claro, se fundamenta na superioridade dos valores europeus, cujo humanismo e democracia são propostos ao mundo. A defesa da Europa reverte, assim, para aquela de uma certa globalização. Esta se caracterizaria igualmente pela difusão dos ideais europeus dos direitos do homem.

O texto foi concebido como um pequeno dicionário temático, realizando um apanhado geral das teses, métodos e teorias que marcaram as pesquisas do autor. Da junção entre a necessidade de defesa da “Europa cultural” e a Idade Média de Le Goff decorrem dificuldades. Estas não permitem ao autor realizar o esperado estudo das acepções históricas do termo “Europa”, o que deve ser atribuído a seu pequeno interesse para a comprovação da tese da obra. Assim, “Europa” permanece um termo vago – ora é o Ocidente, ora a cristandade, ora parece circunscrever-se à França e à Alemanha, ora inclui a Grécia para logo deixar de fazê-lo – cuja realidade é tecida a partir da afirmação da “europeicidade” dos temas de eleição do autor. Submetidos ao método da história global e à teoria da longa duração, estes elementos são perfilados sem que suas relações com a idéia de Europa sejam documentadas.
Editado pela primeira vez em 2003, o livro apresenta-se como um, verdadeiro empreendimento europeu. Publicado simultaneamente na França, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Itália, faz parte do projeto Faire de l'Histoire – coleção que pretende tratar de grandes temas da história européia. A despeito da resposta afirmativa à pergunta que constitui o título original da obra, esta começa com uma afirmação ponderada: “A Europa se constrói. É uma grande esperança”. O objetivo do estudo é portanto participar de uma construção do presente. A dificuldade de sustentar o empreendimento em um período recuado como o medieval, quando a noção de fronteira é incipiente e a amarração dos territórios e populações acontece fica evidente.

Resta ao leitor decidir se tem razão o autor ou aqueles que afirmam que, embora o termo “Europa” tenha uma longa história, a “idéia” de Europa é um fenômeno que tem como marco a Revolução Francesa – de onde derivam e se difundem os ideais modernos de direitos do homem, humanismo e democracia - e, mais recentemente, as disputas ideológicas em torno da reconstrução dos países destruídos pelas duas guerras mundiais.
O livro


AS RAÍZES MEDIEVAIS DA EUROPA
Jacques Le Goff; Vozes;
384 págs.; R$ 49
Néri de Barros Almeida é professora de história medieval da Unicamp.

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