As catacumbas falam: comparações de inscrições em túmulos pagãos e cristãos

terça-feira, 12 de julho de 2011

  
Muita gratidão se deve, portanto, ao Dr. Carlos Maitland por traduzir para a língua inglesa uma obra instrutiva e profundamen­te interessante, intitulada A Igreja nas Catacumbas (1).


Os monumentos, inscrições e outras antigüidades re­movidas das Catacumbas, estão depositadas principal­mente no Museu do Vaticano em Roma. O Museu Cristão contém muitos sarcófagos, baixo-relevos, inscrições e me­dalhas; porém a coleção mais valiosa de inscrições é a da Galeria Lapidaria, corredor extenso daquele museu, cujos lados estão completamente cheios de ladrilhos assentes nas paredes. Há, contudo, um contraste sensível entre as duas paredes desse corredor e as emoções que é provável se produzam no ânimo dos visitantes inteligentes. À direi­ta acham-se as inscrições pagas, e no lado oposto aparecem mais de três mil epitáfios dos primitivos cristãos.

"Consumi", diz Raul Rochette, "muitos dias inteiros neste santuário arqueológico, onde o sagrado e o profano se contemplam nos preservados monumentos escritos, ima­gem dos dias em que o Paganismo e o Cristianismo, cada um pondo em ação todo o seu poder, se debatiam em con­flito mortal. 0 tesouro das impressões que recebemos desta imensa coleção de epitáfios cristãos, tirados das sepulturas das Catacumbas e agora colocados nas paredes do Vatica­no, é uma fonte inesgotável de prazer e alegria para toda a vida" (2).

As inscrições neste museu e nos museus contíguos são testemunhas que apresentamos para provar o que era o pa­ganismo do passado e o que é o Cristianismo do presente. Não se deve, contudo, julgar que as três mil inscrições da Galeria Lapidaria são as únicas que chegaram até nós. Calcula-se que as Catacumbas continham setenta mil ins­crições, que foram removidas ou copiadas em diferentes ocasiões (3), e recentemente já se descobriram mais algu­mas centenas.
As inscrições acham-se principalmente sobre pedras de granito ou de mármore, usadas para fechar as sepulturas e colocadas de cada lado das galerias já referidas. Nas pági­nas subseqüentes há inscrições que trazem luz sobre as se­pulturas. O exemplo visto na página antecedente mostra, numa sepultura, um esqueleto quase inteiro; noutra, ape­nas um pouco de pó, lembrando a sentença proferida so­bre os nossos corpos mortais: "Tu és pó, e em pó te hás de tornar". A inscrição na sepultura da página anterior diz: VALÉRIA DORME AQUI EM PAZ.

Na pedra inferior distingue-se uma folha e palma tos­camente desenhadas. O tamanho das pedras medeia entre um e três pés de comprimento e as letras gravadas nelas re­gulam de um a oito centímetros de altura e são riscadas ou abertas na pedra e o sulco é geralmente cheio de vermelho de Veneza.

Temos traçado o paganismo e nos esforçado por descre­ver o Cristianismo como foi introduzido pelo seu Funda­dor: o Cristianismo do Novo Testamento. Temos também levado os nossos leitores para dentro dos esconderijos de alguns dos seus primitivos seguidores. Adiando por um pouco de tempo algumas explicações sobre as inscrições e os sinais, que seriam, sem isso, misteriosas e enfadonhas, desejamos salientar um contraste que aquelas testemu­nhas mudas - os túmulos dos cristãos primitivos - nos ha­bilitam a traçar entre os dois sistemas: pagão e cristão. Em nada é a diferença mais surpreendente que no sentido em que a morte é encarada pelos seguidores das duas crenças.

Para o pagão, é o término de tudo o que é desejável, gerando nele um sentimento de desânimo ou de vingança contra o Grande Autor da vida. Para o cristão, no entanto, a morte é paz, esperança, previsão de felicidade e indica­ção de triunfo. Alguém disse com razão: "Voltai-vos nas Catacumbas para onde quiserdes: tudo é Paz, Paz, Paz".

Transcrevemos alguns epitáfios pagãos e cristãos para provar a verdade deste dito:

 PAGÃO

eu, procópia, le­ vanto as minhas mãos contra deus que me levou inocente
ela viveu vinte anos. proclus eri­giu este.

CRISTÃO
(fragmento)
DEUS O DEU... O TI­ROU... BENDITO!... DO SENHOR, QUE VIVEU... ANOS EM PAZ, NO CONSULADO DE...


Aqui a inscrição paga considera a morte como uma in­júria, mostrando-se todos ressentidos contra Deus; e o mesquinho braço do homem levanta-se contra o Grande Árbitro do Universo. O epitáfio cristão, ainda que um sim­ples fragmento, fala de outra maneira. Fala de submissão implícita, de resignação e de paz. "O resto da inscrição", diz o Dr. Maitland, "foi destruído até onde o mármore é destrutível; porém, o sentimento imortal que prevalece na sentença supre a perda. Como uma voz entre os sepulcros, quebrada pelos soluços mas distintamente inteligível, as palavras penetram no ouvido: O Senhor o deu, o Senhor o tirou. Bendito seja o nome do Senhor!" (4).
Este mausoléu dos cristãos primitivos faz-nos lembrar a prática de inscrever textos nas sepulturas, o que se tor­nou comum também nas nossas sepulturas modernas de cristãos. Outra vez queira o leitor notar o contraste: Na inscrição paga ouve-se a voz da murmuração e do desânimo: a mãe chorando pelo filho e sem conforto, por­que ele não existe. No epitáfio cristão, tudo é diametral­mente oposto. O marido e filhas doridas consolam-se com a convicção de que a falecida "vive em Deus" e são convi­dados a enxugar as suas lágrimas pela afirmação - tão be­lamente expressada tanto no túmulo como pelo apóstolo -de que o cristão não deve chorar como os pagãos que não têm a esperança da imortalidade. "Não queremos, irmãos, que ignoreis coisa alguma acerca dos que dormem, para que não vos entristeçais como o fazem os outros que não têm esperança. Porque se cremos que Jesus morreu e res­suscitou, assim também Deus;trará com Jesus aqueles que dormiram nele" (5)


PAGÃO
CAIUS JULIUS MAXIMUS, 2 ANOS E 5 ME­SES (IDADE).
ó INFORTÚNIO IM­PLACÁVEL, QUE TE DELEITAS EM MORTE CRUEL, PORQUE me FOI MÁXIMO ARRAN­CADO TÃO REPENTINAMENTE, AQUELE QUE ULTIMAMENTE SE RECLINAVA NO MEU COLO? ESTA PE­DRA AGORA MARCA O SEU TÚMULO.
EIS A SUA MÃE!

 
CRISTÃO
Petronia, esposa de um diácono, tipo de modéstia. Neste lugar dei­to os meus ossos. Deixai as vossas lágrimas, caro ma­rido e filhos, e crede que é proibido CHORAR POR UMA QUE VIVE EM DEUS. ENTERRADA NO TER­CEIRO, ANTES DAS NONAS DE OUTUBRO, DURANTE O CONSULA­DO DE FESTO.


Onde se pode encontrar um contraste maior em senti­mento do que o que existe em monumentos pagãos e cris­tãos sobre a morte? O paganismo, não obstante as alusões de seus poetas aos Campos Elíseos, para além das negras águas do Estyge, não tinha esperança da imortalidade. Entre os muitos milhares de epitáfios existentes em gabi­netes e museus, ainda não se achou uma única alusão a qualquer convicção definida de imortalidade (6).

Notas

1) The Church in the Catacombs, descrição da igreja primitiva em Roma. Ilustrada com relíquias sepulcrais.
(2)Raul Rochette, Tableau des Catacombs, p.10.

(3) Maitland, p.16.
(4) The Church in the Catacombs, de Maitland. p.14.
(5) ITessalonicenses 4.13,14.

(6) Numa obra de Basil H. Cooper, A Igreja Livre na Antiga Cristandade, está esta asserção abundantemente confirmada. "O autor não encontrou um epitáfio sequer, nessas condições, entre a seleção de mais de 750 mármores de sepulcros registrados na obra de Zell, ou na grande obra de Bockh. Corpus Inscriptionun Graecorum"' Tom. 1-3, (p.17, nota).


Extraído do livro "As Catacumbas de Roma", de Benjamin Scott




0 comentários:

Postar um comentário